O telefone tocou na central de socorro eram perto de seis da tarde. O dia estava calmo até então, sem nada além dos eventuais acidentes de trânsito por causa da chuva. Ela atendeu, cara de preocupada. Acionou a emergência e a ambulância saiu, sirene ligada, no meio do trânsito caótico de chuva atender a ocorrência. Precisavam ir rápido, mas sabiam que já era tarde.
A equipe de paramédicos estava a postos quando foi acionada. Muito bem treinados e cientes de suas responsabilidades, saíram prontos para atender a vítima. Estavam cansados, exaustos e com suas forças nas botinas encharcadas. A chuva estava fraca mas constante desde cedo. No final da tarde tudo o que você quer é descansar, um chocolate quente ou um copo de cachaça pra relaxar. Não uma última ocorrência desse tipo.
Na frente do prédio, assim que a ambulância chegou, o círculo de pessoas já estava formado. Mal se conseguia ver o que tinha acontecido, a não ser que se aproximasse bastante. O prédio era de esquina, e o trânsito (que já não estava grande coisa) estava sendo comprometido também pela aglomeração. Com ou sem guarda chuvas, não importava, as pessoas queriam ver.
Abrindo caminho bem em frente à portaria, dois dos paramédicos da equipe conseguiram com muitos ‘com licenças’ ter acesso à cena: um corpo jazia na calçada molhada. As poças de sangue se misturavam com as de chuva e barro. As expressões dos curiosos em volta eram indefinidas. Iam de espanto a nojo, de duvida a reprovação.
Da portaria, o funcionário do turno tentava se fazer de indiferente ao mesmo tempo em que esticava o pescoço para tentar saber o que estava acontecendo. Àquela altura, boa parte do prédio de vários andares já se encontrava na janela, molhando suas cabeças na chuva calma, prontos para não perder o que acontecia para poder contar pros amigos depois. O porteiro não se agüentou e saiu na rua.
‘Ele morava aqui’ respondeu sem ser perguntado e logo virou autoridade na pequena roda. ‘Ele morava nesse prédio’ cochichavam as pessoas entre si. ‘ Morava no treze’, continuou ele, agora para sua audiência. O número pareceu espantar as pessoas… ‘No treze…’ cochicharam elas. ‘No apartamento treze?’, alguém perguntou. ‘Não, no andar treze’, ele respondeu explicativo.
‘O senhor conhecia esse rapaz?’, perguntou um dos médicos, já terminando os procedimentos de cobrir o corpo, para tristeza de alguns e alivio de outros, que por mais que mantivessem a expressão de nojo não se retiravam. ‘Sim, ele morava no treze’, o porteiro repetiu. ‘No treze…’
‘A gente vai precisar avisa a policia’, soltou o outro paramédico. ‘Será que ele caiu da janela?’, alguém deixou escapar e todos olharam para o alto, na direção do treze. Não dava pra ver dali, mas a janela estava sim aberta. Também não dava pra ver dali, mas dentro do apartamento, em cima da mesa, tinha um bilhete de despedida.
é cronica ou novela?
''O amor-próprio é um animal curioso, que consegue dormir sob os golpes mais cruéis, mas que acorda, ferido de morte perante uma simples beliscadura.''