Resenha do site – Robocop

robocopPoucas vezes o cinema apresentou um filme de ação com tantas discussões éticas e políticas. E, acima disso, palpáveis, inteligíveis, reais e urgentes. É isso que se pode dizer do Robocop de José Padilha, que estreia no próximo final de semana no Brasil: intenso, urgente e assustadoramente premonitório.

Desde sua espetacular sequência de abertura num programa de TV sensacionalista apresentado por Samuel L. Jackson o filme transpira esta tensão e esta urgência: uma equipe do programa testemunha o sucesso dos robôs policiais numa região de guerra no Oriente Médio, enquanto o apresentador discursa sobre sua eficiência e questiona o porquê de os Estados Unidos, produtor dos robôs, não usrem sua própria tecnologia. Enquanto o discurso demagógico corre solto, uma equipe de homem bomba ataca os robôs e o caos se instala. Os ecos de Tropa de Elite (também de Padilha) estão ali: a câmera nervosa, a edição frenética. E estarão presentes ao longo do filme todo.

Se o filme de 27 anos atrás de Paul Verhooven era ácido e esmiuçava a violência nas cidades em contrapartida com os direitos civis, a refilmagem de Padilha vai além. Muito além. Eleva tudo isso à décima potência e joga na tela esses elementos mixados com fatores contemporâneos que adicionam pólvora a esta mistura: a globalização, o marketing, a crescente tecnológica, a interferência americana em territórios estrangeiros e os direitos do homem-máquina.

Quando Alex Murphy (Joel Kinnaman, da série The Killing) sofre um atentado e se transforma num androide robotizado, mas ainda “humano”, uma estratégia de marketing toma conta: os americanos rejeitam os robôs por não verem neles humanidade. A solução? Colocar um homem dentro da máquina. Porém, pouco a pouco o homem vai perdendo espaço e se tornando apenas uma máquina com rosto humano. Família, valores, discernimento, vão sendo substituídos por noções mecânicas de certo e errado e aquele homem real vai aos poucos sumindo.

Esta é a principal questão ética do filme: até onde este homem pode ser eclipsado pelo seu lado máquina? Até onde é correto “matar” a consciência para transformá-lo num robô irracional? O embate entre o magnata de Michael Keaton e o cientista de Gary Oldman é a base das discussões neste sentido. Enquanto o discurso do apresentador de Jackson e o de um senador contra os robôs ilustra bem as questões políticas por trás de tudo. A bem da verdade, o objetivo direto não é “melhorar a segurança da população”, mas enriquecer ainda mais  a indústria da robótica. Disfarçar o benefício pessoal maquiando-o com um bem à população. Disso Padilha pode e sabe falar. Conhecimento desta causa ele tem de sobra no país onde ele nasceu.

Acima de ser um filme de ação com discussões éticas, e de lembrar em várias cenas um video game, Robocop consegue trazer diversas questões à tona sem se tornar chato e demagógico. Ainda é um filme de ação. Ainda é um triunfo (talvez o primeiro) de um diretor brasileiro em Hollywood e, em algumas cenas (como naquelas com musica se Frank Sinatra ou O Mágico de Oz – uma das melhores cenas do filme) consegue ser um clássico do mesmo patamar do original de 1987. Um filme que vale a pena não só pelo patriotismo, mas pela competência com que foi gerado.  Vem sendo dito que é um Tropa de Elite com orçamento hollywoodiano. Não deixa de ser verdade. Padilha conseguiu o impossível: imprimir sua marca de originalidade e fugir do lugar-comum numa indústria que tem por tradição anular o diretor em função do produto e criar um filme seu, com sua assinatura bem definida, na meca do cinema mundial.

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