Por que o Oscar está deixando de ser sobre sucessos de bilheteria?

Muita gente pensa que o Oscar é um prêmio da indústria, um prêmio popular que só premia filmes que, ao invés de bons, são sucessos de bilheteria. Bom, lá se vão 11 anos desde que isso pode ser considerado verdade. O último grande sucesso a ganhar um Oscar de melhor filme foi O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei, em 2001, que bateu os 350 milhões de dólares de arrecadação.

Na verdade, se formos pensar em termos de arrecadação, desde 1970, somente três filmes vencedores da categoria maior ultrapassaram os 300 milhões de dólares: O Retorno do Rei em 2001 (377 milhões), Titanic em 1997 (600 milhões) e  Forrest Gump em 1994 (329 milhões). Ou seja, há muito tempo o Oscar deixou de ser um prêmio popular.

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O Retorno do Rei: último grande sucesso de bilheteria a vencer o Oscar de melhor filme

No início da década de 80, a maioria dos indicados ao Oscar ultrapassava a marca de 1oo milhões de dólares de bilheteria. Rain Man e Dança Com Lobos, vencedores de 1988 e 1990, respectivamente, ultrapassaram os 150 milhões. Porém, após o início dos anos 2000 essa tendência se inverteu. Muitos dos vencedores do Oscar de melhor filme renderam pouco financeiramente. Raras são as exceções. Guerra ao Terror, vencedor de 2009, é o vencedor do Oscar com menor bilheteria de todos os tempos: rendeu os mesmos 15 milhões que custou. Em seguida no ranking dos menores, vem Crash (de 2005), Onde Os Fracos Não Têm Vez (2007) e O Artista (2011).

Apesar de os grandes blockbusters serem dominados pelos filmes de super-heróis e recheados de efeitos especiais (que só chegam ao Oscar nas categorias técnicas), no ano passado a imagem deu uma modificada: o vencedor de melhor filme, Argo, ultrapassou 135 milhões de dólares de bilheteria, e neste ano, dois dos três favoritos são sucessos financeiros. Em meados de fevereiro, Trapaça já tinha arrecadado 130 milhões de dólares e Gravidade já ultrapassava os 260 milhões. Enquanto o franco favorito à estatueta de melhor filme (e que de fato saiu vencedor), patinava nos 44 milhões.

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Guerra ao Terror: o pior em bilheteria dentre todos os vencedores de melhor filme da história

Desde 2004 que nenhum vencedor do Oscar de melhor filme figura entre as 10 maiores bilheterias do ano. Este ano, mesmo com vários dos nove indicados em cartaz, era impossível que essa estatística fosse quebrada, e de fato não foi.

Pra muita gente, isso é evidência das diferenças entre cinema “comercial” e cinema “artístico”: o público consome o que é comercial e quem ganha prêmio é o que é arte. Claro, que na cabeça destas pessoas uma coisa exclui a outra. Um filme comercial, campeão de bilheteria, jamais pode ser considerado um filme bom. Será verdade? O que destoa desse discurso é que quem decide os prêmios, quem vota, é justamente a mesma indústria que produz os filmes. Os grandes e os pequenos.

Entre 1934 e 2003, foram apenas duas as ocasiões em que o vencedor do Oscar de melhor filme não esteve entre as 20 maiores bilheterias do ano – as exceções foram O Último Imperador (1987) e Marty (1955). De lá para cá, a lógica se inverteu: somente três ganhadores da estatueta mais cobiçada entraram no Top 20 mundial: O Discurso do Rei (2010), Quem Quer Ser um Milionário? (2008) e Os Infiltrados (2006). Rain Man (1988), Kramer vs. Kramer (1979), Rocky (1976), Golpe de Mestre (1973) e O Poderoso Chefão (1972) foram líderes de renda em seus respectivos anos e ganhadores do maior prêmio da indústria, mesmo sem escolher o público adolescente como alvo – e esse tipo de conquista parece cada vez mais no passado. Para completar a cena do aparente descompasso entre público e Academia, basta verificar que em quatro edições recentes do Oscar (2005, 2006, 2008 e 2012) absolutamente nenhum dos indicados a melhor filme esteve no ranking dos mais rentáveis internacionalmente, fato que nunca havia ocorrido nas sete décadas anteriores. A última vez que todos os indicados ao Oscar de melhor filme figuraram na lista das 20 maiores bilheterias do ano foi em 1971: Love Story, Aeroporto, M.A.S.H., Cada um Vive como Quer e Patton, que saiu vencedor.

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Patton: vencedor no último ano em que todos os indicados figuraram entre as 20 maiores bilheterias anuais, em 1971

Para o diretor do portal Filme B, Paulo Sérgio Almeida, a discrepância entre sucessos de público e prêmios não tem explicação: “O Oscar está perdendo relevância do ponto de vista mercadológico e ganhando como selo de qualidade. Mas o interessante é que ele foi inventado para promover comercialmente o filme americano”. A partir de 2010 as regras mudaram, e até até 10 filmes poderiam ser indicados na categoria principal. O que teoricamente era para abrir espaço para os filmes mais populares (o que realmente aconteceu em 2009 e 2010 com Up e Toy Story 3, ambos com bilheterias acima de 700 milhões), acabou abrindo espaço para filmes cada vez menores, como Indomável Sonhadora ano passado ou Nebraska neste ano.

No Brasil, esta distância é ainda maior. Em 2012, o filme Cada Um Tem a Gêmea Que Merece, de Adam Sandler, foi o recordistas de prêmios do Framboesa de Ouro, o prêmio para os piores do cinema: venceu em todas as 12 categorias naquele ano. Enquanto isso, por aqui, ele batia o recorde e se tornava a maior bilheteria do comediante no país. Quem ganhou o Oscar de melhor filme naquele ano? O Artista. Nenhum dos dois filmes está na lista das 20 maiores bilheterias brasileiras naquele ano, mas enquanto Cada Um Tem a Gêmea que merece acumulou mais de 2 milhões de reais, O Artista patinou em meros 300 mil, sendo exibido em meia dúzia de salas ao redor do Brasil. Os três maiores sucessos financeiros no país neste ano foram: Os Vingadores (R$130 milhões), A Saga Crepúsculo – Amanhecer Parte 2 (R$107 milhões) e A Era do Gelo 4 (R$94 milhões). Em 2013 novamente, o vencedor Argo não passou nem perto dos 20 mais, liderados por Homem de Ferro 3 (R$96 milhões), Meu Malvado Favorito 2 (R$80 milhões) e Thor: O Mundo Sombrio (R$63 milhões). E Argo? Não chegou a R$400 mil.

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Argo, vencedor de melhor filme no ano passado e fracasso de bilheteria no Brasil

Confira os ganhadores do Oscar de melhor filme que menos renderam em bilheteria:

10. Aconteceu Naquela Noite (1934) ($89 milhões)

9. Onde Os Fracos Não Têm Vez (2007) ($88 milhões)

8. Marty (1955) ($72 milhões)

7. Crash (2004) ($68 milhões)

6. Sinfonia em Paris (1951) ($67 milhões)

5. Hamlet (1948) ($63 milhões)

4. A Grande Ilusão (1949) ($62 milhões)

3. 12 Anos de Escravidão (2013) ($50.2 milhões até o momento)

2. O Artista (2011) ($47 milhões)

1. Guerra ao Terror (2009) ($18.7 milhões)

 

Texto de Flávio St Jayme. Com informações dos sites: Patheos, Pajiba, The Christian Science Monitor, Box Office Mojo, Gazeta do Povo, Adoro Cinema, Wikipedia e IMDB.

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