Resenha do site – A Recompensa

a-recompensaA primeira cena de A Recompensa já choca e mostra muito do que será o filme: em um monólogo de mais de dois minutos, Dom Hemingway destrincha um texto complexo sobre as maravilhas… do seu próprio pênis. Sim, elogios não lhe faltam em seu vocabulário grandiloquente para definir o membro como “requintado, uma obra de arte digna de Renoir ou Picasso. Algo que deveria ser estudado nas aulas de ciências , ser ganhador do Prêmio Nobel e dar nome a uma escola. Um guepardo elegante, perigoso e mortal”. Ainda nos assustamos com esta cena inicial, pois não entramos na história, não conhecemos seu protagonista. Porém, o que tinha tudo para levar a um personagem asqueroso e repugnante, graças ao talento de Jude Law, entrega um Dom Hemingway carismático e envolvente.

Seu temperamento extravagante sem travas na língua, seus discursos dignos da mais clássica literatura porém recheados de palavrões inimagináveis, sua aparência ao mesmo tempo risível e imponente. Tudo isso auxilia na construção de um personagem que Law apresenta com maestria. Sem cair no caricato em momento algum, nos vemos ao mesmo tempo sentindo asco e afeição por Dom. Sabemos que ele é um bandido, reprovamos suas atitudes, mas ao mesmo tempo torcemos para que ele se dê bem nas encrencas em que se mete. E estas, se desenrolam das formas mais absurdas possíveis.

Seu melhor amigo Dickie (Richard E. Grant), age como um fiel Sancho Pança: sempre ao lado de Dom, ele não se esforça para livrá-lo das enrascadas, mas mantém sua figura elegante, ereta e onipresente enquanto o protagonista afunda mais e mais na lama.

A Recompensa é anunciado como uma comédia de humor negro. Situações para rir de fato, não existem muitas. Dom é um personagem problemático que após passar 12 anos na cadeia sai para tentar por a vida em dia: acerta contas com o homem que casou com sua ex-esposa, tenta se reconciliar com a filha e decide que precisa cobrar uma recompensa do homem responsável pelos seus anos de prisão. Porém para Dom nada é simples como parece. Envolto em litros e litros de álcool, carreiras de cocaína e nuvens de fumaça de cigarro constantes, ele surta e perde os eixos a todo momento: é capaz de sair pelado pela floresta por se sentir arrependido, soca (e morde) um homem para se vingar, causa um acidente enquanto dirige bêbado. Dom é o extremo do descontrole.

A maioria das situações em que ele se enfia é relativamente simples. Porém o personagem tem o “dom” (com o perdão do trocadilho) de tornar a mais simples das situações um problema de proporções catastróficas. E pra ajudar, ainda é azarado que só ele. Tudo em sua vida dá errado e Dom encontra apoio no álcool e no amigo para segurar as pontas. Saber que a filha casou com um negro, ser roubado por uma prostituta ou ser enganado por um bandido também não ajudam muito na reconstrução, e da boca de Dom saem cada vez mais impropérios para ofender da forma mais culta quem é que cruze seu caminho. Mesmo destruído e na sarjeta, Dom mantém sua autoestima nas alturas e faz questão de bradar “Eu sou Dom Hemingway!!!”. Dono de uma arrogância incomensurável, o protagonista ainda consegue nos levar para seu time e mesmo não tendo uma vírgula de comportamento decente, acabamos torcendo por ele.

No fim, A Recompensa é daquele tipo de filme que causa desconforto, mas ao mesmo tempo não conseguimos deixar de assistir. É bem verdade que tudo se desenrola de forma bem morna e certinha demais no final, mas isso não tira o mérito do filme, inteiramente calcado na interpretação poderosa de Jude Law, no papel do anti-herói que consegue nos causar repulsa e admiração ao mesmo tempo.

https://www.youtube.com/watch?v=YJktg93u3yo

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