Imagine que você está lendo aquele livro de detetives super bacana. A história é instigante, você não consegue parar de ler, quer mais, quer saber quem é o assassino em série. Você lê mais e mais. E quando chega na penúltima página, onde o autor vai relevar quem é o culpado, descobre que a página final do livro está faltando.
Frustrante? Decepcionante? É, não é? Pois é assim que você se sente depois de assistir ‘O Doador de Memórias’. Baseado no livro de mesmo nome da americana Lois Lowry, o longa consegue envolver e prender a atenção até pouco antes de seu final. A história do rapaz que é o escolhido para um cargo importante em sua comunidade e aos poucos vai percebendo a verdade com relação ao que está a sua volta vai envolvendo o espectador aos poucos de forma lenta, até que queremos de verdade saber o que está por trás de tudo aquilo. Então, em poucos minutos, um clímax frouxo e sem emoção alguma termina o filme de forma abrupta e frustrante. Como se alguém lá dentro tivesse dito “ok,, termina isso logo de qualquer jeito que eu quero ir pra casa”.
A coisa toda é bem construída: as imagens em preto e branco do mundo onde não há emoções contrastando com o colorido do mundo real que Jonas (Brenton Thwaites, o príncipe de Malévola) vai passando a perceber ao seu redor. A sociedade “ideal” mas totalitária, o medo de “ir além da fronteira” (que lembra bastante ‘A Vila’), os segredos que aqueles anciãos escondem. Tudo é bem feitinho e amarradinho de modo a nos deixar curiosos, sabendo desde o começo que algo ali está errado. Por isso o final é tão decepcionante. Como uma história que demora horas para ser contada e, de repente, porque o narrador precisa se despedir, é amarrada de forma descuidada e em poucas palavras. Como um professor que se estende demais em uma explicação e encerra tudo de forma abrupta e mal explicada porque a aula está acabando.
O elenco do longa conta ainda com a belíssima jovem atriz israelense Odeya Rush e Cameron Monaghan completando o trio de jovens heróis (como parece ter virado fórmula na literatura infanto-juvenil e no cinema) que, importante dizer, ainda não tem competência para carregar o filme nas costas. Entre os nomes de peso, os oscarizados Meryl Streep e Jeff Bridges dão “sustança” ao elenco no piloto automático, junto com a popularidade de Katie Holmes e Alexander Skarsgard, que parecem apenas presentes para mostrar seus rostinhos bonitos.
Seja pela pouca divulgação, nem de longe devastadora como a de um ‘Jogos Vorazes’, cujo público quer atingir, seja pelo final tão apressado, ou ainda pelas diferenças substanciais com relação ao premiado livro, ‘O Doador de Memórias’ vem fazendo feio na bilheteria americana. As avaliações dos críticos internacionais não parecem poupar a falta de clima do filme. A coisa toda da sociedade distópica futurista que ninguém parece questionar, mesmo com sérios detalhes questionáveis à sua volta, não carrega veracidade ou emoção suficiente.
‘O Doador de Memórias’ é a primeira parte de uma quadrilogia iniciada em 1993 e encerrada em 2012 pela autora (parece que nunca mais haverá livro que não faça parte de trilogias ou outras logias). Agora, diante da fraca recepção da primeira aventura, parece pouco provável que as outras partes cheguem às telas. O diretor Philip Noyce, que chegou a apresentar suspenses consistentes como ‘Invasão de Privacidade’ ou ‘O Colecionador de Ossos’ alguns anos atrás, ou mesmo no episódio piloto do seriado-novelão de suspense ‘Revenge’, parece não acertar a mão ao mirar o público jovem. Ou talvez seja em parte culpa dos roteiristas inexperientes RObert B. Weide e Michael Mitnick. Mas o fato é que o filme deixa aquele gosto de frustração na boca, de anticlímax, de uma história interrompida em seu melhor. Se a equipe pretendia com isso criar no público a vontade de ver as sequências, parece que o resultado saiu justamente o contrário e ficamos tão decepcionados que queremos é apagá-lo de nossa memória.
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