Da Gazeta do Povo:
Havia em Curitiba cinemas de um luxo desgastado pelo tempo; outros eram apertados e alguns, ainda, pulguentos. Mesmo assim, as salas que faziam fervilhar as ruas curitibanas até o início dos anos 2000 compartilhavam da mesma aura típica dos lugares nos quais, por longo tempo, se verificou um ritual.
Durante as décadas de 1990 e 2000, Curitiba sofreu uma profunda transformação: os últimos cinemas de rua fecharam as portas, os cineplex investiram pesado em tecnologia, conforto e segurança e o público migrou para dentro dos shoppings. Já não há nenhuma das salas que fizeram gente da cidade tomar gosto pelo cinema a ponto de trabalhar com a arte. Hoje, aqueles prédios se tornaram estacionamentos, igrejas, foram demolidos ou abandonados. A mudança esvaziou ruas no Centro a ponto de zerar a vida noturna em locais, como a Rua XV de Novembro e a Praça Santos Andrade.
“Eram cinemas que tiveram grande importância para a cinematografia local e a vida cultural da cidade”, diz o cineasta Eloi Pires Ferreira. Um deles foi o Cine Groff que, administrado pela Fundação Cultural de Curitiba (FCC), funcionou até 2003 na Galeria Schaffer, no número 420 da Rua XV de Novembro. Era pequeno e apertado, com um áudio precário, “mas com uma programação sensacional”, revela Eloi. O prédio agora abriga um shopping center.
No Cine Bristol – atualmente, uma igreja – o cineasta Paulo Biscaia Filho assistiu 20 vezes a Caçadores da Arca Perdida (1981), de Steven Spielberg. Biscaia queria ser historiador até ver cenas do making of do filme. Para o diretor, o fim desses espaços ocorreu por pressão do mercado – distribuidoras buscavam grandes plateias – e a simples mudança de hábito da população. “É triste porque não foi apenas o cinema que morreu, mas as ruas.”
Um exemplo: até os anos 2000, o Cine Luz garantia à Santos Andrade vida após às 19 horas. Fechado, o imóvel deixou de ser ponto de encontro, como se recorda Fernando Severo, diretor do Museu da Imagem e do Som. Na Curitiba de 20 anos atrás, diz Severo, inexistia a dicotomia “mainstream” e “fora de circuito”. “Não havia o gueto hoje reservado ao cinema de arte”. E ainda era barato.
Em 1999, o Astor (que hoje abriga uma loja de roupas) vendia ingressos a R$ 3 em dias úteis e a R$ 5, nos fins de semana. “O preço disparou por causa dos investimentos em tecnologia”, afirma o crítico de cinema e blogueiro Marden Machado, otimista ao apostar em uma futura queda de preços por causa da digitalização dos filmes. As sessões temáticas ajudavam que o curitibano cultivasse o hábito de ir ao cinema. “No fim de semana, à meia-noite, o Astor passava filmes de terror e suspense, mas, às vezes, musicais. Foi lá que assisti aos shows do [festival de] Woodstock”, lembra Machado.
Há três anos e meio, também o Cine Luz, o derradeiro de Curitiba, fechou as portas. Segundo o cineasta Geraldo Pioli, funcionário da Cinemateca de Curitiba, cada um dos cinemas de rua tinha um cheiro diferente – de pipoca, de mofo ou de “lugar fechado”. Agora, o cheiro das 73 salas de cinema da cidade é um só, explica Piolli: “um misto de couro sintético e ar condicionado”.
Políticas públicas
Além de reabrir salas, FCC planeja aumentar opções para cinéfilos
O atual desinteresse do público pelos cinemas de rua de Curitiba que sobrevivem sob gestão municipal – o Guarani e a sala da Cinemateca – é reconhecido pelo presidente da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), Marcos Cordiolli. Ele garante serem metas da instituição criar opções de cinema fora do circuito e melhorar a qualidade das salas.
Cordiolli diz que “tem razão” quem reclama de as sessões não serem constantes e da onipresença de produções locais. Com base na experiência da capital paulista, onde 12% das bilheterias vêm do cinema de arte, a FCC avalia haver mercado em Curitiba.
A intenção é concentrar mostras específicas e produções locais na Cinemateca. O Guarani deixará de ser locável para eventos e terá sessões de terça-feira a domingo. Uma pretensão, ainda sem data, é instalar projetores digitais e de película. “Estreias e mostras afastam o público rotineiro. Queremos criar hábito na população.”
Outro plano ousado da FCC é replicar a programação de festivais internacionais, como o de Veneza e o de Berlim. As produções devem ser projetadas no Guarani e nos futuros Cine Passeio e Cine Luz – este tem previsão de reabertura para 2014.
Pornô
Fundado em 1919 no Cristo Rei, o Cine Morgenau se sustenta com a exibição de filmes pornôs. Assim como ele, há o Lido, na Rua Ermelino Leão. “Nos anos 1980, havia mais de 20 cinemas de rua”, relembra Jorginho de Souza, 47 anos, dono do Morgenau. Shoppings, locadoras e internet tiraram os cinemas do circuito. “As pessoas ficaram preguiçosas”, acredita Jorginho.
O primeiro filme pornô a passar no Morgenau foi o clássico Garganta Profunda. Ficou em cartaz por 12 semanas, com sessões superlotadas. “Meu pai [Jorge de Souza, ex-dono, falecido em 2010] suspendeu as projeções na Semana Santa”, conta Jorginho. “Mas foi o único jeito de manter o cinema aberto.”
O pedido do pai foi a garantia de que o cinema completaria cem anos. Jorginho planeja resistir bravamente até 2019, “apesar de o nosso público ser muito pequeno”.

![]() |
| Cine Lido |
![]() |
| Antigo Cine Astor |
![]() |
| Antigo Cine Bristol |
![]() |
| Antigo Cine Plaza, na Praça Osório |
![]() |
| Cine São João (que não foi citado na matéria) |







Faltaram Cine Rivoli na Emiliano Perneta, Cine Avenida na luis Xavier, Cine Opera na Luiz Xavier, Cine Palacio na Voluntarios da Patria, Cine Maraba na Mateus Leme, Cine Vitoria na Lourenco Pinto.