É preciso coragem para realizar um filme como O Amor É Estranho. Não pelo teor de sua trama, muito menos por conter cenas impróprias. Justamente pelo contrário: pelo comum, pelo sincero e ordinário da situação.
Ben e George (os excelentes veteranos John Lithgow e Alfred Molina) vivem juntos há quarenta anos e acabaram de se casar. O casamento, acima da felicidade, traz uma consequência desastrosa: George é demitido da escola católica onde trabalha há 12 anos porque as pessoas viram suas fotos com Ben após o casamento. Não que ninguém soubesse do relacionamento, mas ver as fotos é diferente de saber e jogar para baixo do tapete. Com a demissão veio um problema ainda maior: eles não conseguirão manter o apartamento que compraram há pouco tempo e até acharem outro lugar para morar vão precisar de um lugar para ficar.
Neste ponto O Amor É Estranho toca em uma ferida de todos nós, héteros ou gays, casados ou solteiros, jovens ou velhos: o medo de depender de outras pessoas. Ben e George irão depender da bondade da família para se ajeitarem enquanto as coisas não dão certo. E cutucando nesta ferida, o longa do diretor Ira Sachs nos coloca não apenas no lugar dos dois homens, mas de todos os outros personagens: a mulher que oferece abrigo mas logo percebe que a situação será insustentável (por mais fácil de lidar que eles sejam) e aquela sensação de “visita que não deve durar mais de três dias” começa a aparecer; o rapaz que também oferece o sofá mas se esquece que tem uma pessoa de mais idade na casa e continua vivendo sua vida desregrada de festas noturnas; o adolescente que tem seu quarto invadido por aquele parente, quase um estranho, presente dia e noite em sua intimidade. Até onde o ‘ele não vai incomodar’ vai e quando deixa de ser verdade?
O Amor É Estranho é de uma sinceridade cruel e de uma transparência aterradora. Será que, em algum momento da vida, todos passaremos por situação semelhante? Este se sentir humilhado, este orgulho ferido, este ‘precisar do outro’ faz bem ou mal? O carinho e a cumplicidade de Ben e George não poderiam ser melhor expressados em tela. Lightgow e Molina demonstram um talento e uma confiança e cumplicidade tão reais que por vezes o filme emociona, ainda que não seja nem um pouco maniqueísta.
A vida de duas pessoas maduras afetada pelo preconceito. Esta poderia ser a mensagem maior do filme. No entanto ele não se limita a algo tão simplista e, utilizando este ponto de partida, nos leva para dentro da vida daquelas pessoas quase como voyeurs, e ficamos ali testemunhando o amor entre aqueles dois homens e de que forma eles afetam a vida dos outros à sua volta, mas que bem poderia ser entre um homem e uma mulher. O fato de ser um casal gay em nada interfere com o poder e a franqueza desta história que, mesmo quando poderia nos manipular para nos fazer chorar, prefere continuar terna e leve, sem se valer de falsos truques ou saídas fáceis. O Amor É Estranho é um filme poderoso em seu retrato do amor e da cumplicidade. E ao mesmo tempo é um filme leve, fácil de se assistir. Uma daquelas coisas que poucas pessoas irão ver, mas que deve ser descoberto por todos os tipos de público.